Monday 8 September 2014

O que está para além?

Freeman Tilden
Quando li o livro “Civilizing the Museum”, de Elaine Heumann Gurian, pouco mais de um ano atrás, lembro-me de ter tido um pensamento e dois sentimentos. Pensei em como era possível ter chegado pela primeira vez aos seus textos e ao seu pensamento visionário tão tarde, após 20 antes de estudo e de trabalho nesta área. Tive um sentimento aconchegante de conforto, quando percebi que ideias e preocupações que estavam constantemente na minha cabeça não eram propriamente novas e que alguém como a Elaine as tinha formulado de uma maneira tão bonita e completa, influenciando tantas pessoas e instituições com as quais trabalhou.  Mas tive também um sentimento amargo de frustração, apercebendo-me do quão lenta é, realmente, a mudança, uma vez que questões levantadas pela Elaine há já algum tempo continuam a ser actuais hoje em dia.

Quando acabei o livro de Freeman Tilden “Interpreting our heritage” no mês passado, sorri. Tive o mesmo pensamento e os mesmos dois sentimentos. Como é que é possível ter lido o Tilden apenas agora?! Como é inspiradora a sua escrita, como tudo se torna claro quando se lêem os seus seis princípios para a interpretação e os seus vários exemplos. E como é decepcionante ver que, mais de meio século depois, aprendemos pouco e fizemos ainda menos.

Tilden escreveu o seu livro em 1957, quando tinha 74 anos e depois de uma longa carreira como jornalista, escritor e dramaturgo. Russell E. Dickenson salienta no prólogo da quarta edição que “Na sua associação com os parques, Tilden desenvolveu um interesse em como os parques nacionais formaram a identidade americana, assim como a identidade individual, incitando os cidadãos a procurarem encontrar sentido e inspiração nos preciosos recursos naturais e históricos.”

É isto que Tilden desejava para os cidadãos e eram precisamente estas as suas expectativas da interpretação e dos intérpretes. “Os intérpretes decidem que histórias vão contar, como contá-las e a quem, uma responsabilidade séria [p.2]; (…) O principal interesse do visitante está em qualquer coisa que toque a sua personalidade, as suas experiências e os seus ideais [p.36]; (…) Mas o objectivo da interpretação é estimular o leitor ou o ouvinte a desejar ampliar os seus horizontes de interesses e conhecimentos e a procurar entender as grandes verdades que estão por trás de qualquer afirmação de factos [p.59]; (…) Não com os nomes das coisas, mas expondo a alma das coisas – aquelas verdades que estão por trás do que estamos a mostrar ao visitante. Nem pregando; nem sequer dando sermões; não através da instrução, mas através da provocação [p.67]; (…)  colocar o visitante na posse de pelos menos uma ideia perturbadora, que possa crescer num fértil interesse [p.128]”.

Resumindo assim a visão de Tilden, aqui estão os seus seis princípios para a interpretação:

1. Qualquer interpretação que não relacione de alguma forma o que está a ser apresentado ou descrito com algo na personalidade ou experiência do visitante, será estéril.

2. A informação em si não é interpretação. A interpretação é uma revelação baseada em informação. Mas são coisas completamente diferentes. No entanto, toda a interpretação inclui informação.

3. A interpretação é uma arte, que combina muitas artes, quer os materiais apresentados sejam científicos, históricos ou arquitecturais. Qualquer arte pode ser ensinada, até certo ponto.

4. O principal objectivo da interpretação não é a instrução, mas a provocação.

5. A interpretação deve procurar apresentar um todo em vez de uma parte e deve dirigir-se ao indivíduo no seu todo e não apenas a alguma das suas facetas.

6. A interpretação dirigida a crianças (digamos até aos 12 anos) não deve ser uma diluição da apresentação aos adultos, mas deve seguir uma abordagem fundamentalmente diferente. Para estar no seu melhor, requer um programa separado.

Claro que, enquanto lia isto, estava a pensar nos museus; na riqueza que se encontra neles e que está inacessível para muitas pessoas. Em muitos casos, por opção: a opção daqueles que têm a grande responsabilidade de interpretar, revelar, provocar, chegar aos corações de muitas pessoas e não apenas aos cérebros de algumas, mas que, tendo o poder de decisão, a sua principal preocupação é comunicarem com e serem reconhecidos pelos seus pares. Esta é uma razão, para mim, a principal, a mais determinante. Uma outra razão é que, neste contexto, os profissionais que têm preparação técnica nesta área lutam para ser ouvidos e, não poucas vezes, são vencidos. Uma outra razão ainda, não menos importante, é que muitas outras pessoas que trabalham nesta área não têm preparação técnica para aquilo que lhes é solicitado fazer, e não lhes é proporcionada esta preparação. Lembro-me uma vez num curso de formação, durante uma discussão acesa em relação às responsabilidades dos profissionais de museus que trabalham para eles próprios e para os seus pares, uma senhora levantou a mão e disse: “Por favor, não digam que estamos apenas preocupados com nós próprios e com os nossos pares. Eu simplesmente não sei fazer as coisas de outra forma e é por isso que aqui estou”…

É a combinação destes factores que faz com que Heumann Gurian, Tilden, Cotton Dana (para mencionar outro dos meus favoritos) soam amargamente relevantes e contemporâneos, mais de 20 ou 50 ou 100 anos depois.

Acontece que acabei de ler o livro de Tilden e comecei a escrever estas palavras no meio de um parque nacional, o Parque Nacional de Tzoumerka na Grécia. A beleza da paisagem cortava a respiração. Pensava constantemente nas palavras de Tilden: “A interpretação leva o visitante para além do seu prazer estético, em direcção à compreensão das forças materiais que se juntaram para produzir a beleza que está à sua volta.” É isto que as pessoas que conheci fizeram por mim. Levaram-me - com simplicidade, entusiasmo e um conhecimento profundo das coisas – além, muito além do que era visível para mim. Não eram todos profissionais, mas eram pessoas que tinham amor por aquele sítio, que desejavam partilhá-lo. Assim, tornaram a minha experiência em algo ainda maior.


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Mostrem-me as pessoas


Ponte de Plaka, Parque Nacional de Tzoumerka, Grécia

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