Monday 14 April 2014

O Atentado



Li O Atentado de Yasmina Khanda há uns anos. É a história de um médico árabe, Amin Jaafari, que vive e trabalha em Tel Aviv. Após um atentado suicida que abala a cidade, Jaafari é chamado para identificar o corpo da sua mulher, Sihem, uma das vítimas do atentado. Pouco depois, é confrontado com a informação que a bombista suicida tinha sido a própria Sihem.

Com a sua escrita bonita, sensível, incisiva, Khandra conduz-nos através das várias fases do estado emocional de Jaafari e da sua viagem à procura de respostas: desde a dor de ter perdido a sua mulher, à incredulidade perante a informação que a mulher que amava tinha cometido tal crime, à confusão e à raiva quando começa a aperceber-se que desconhecia uma série de acções, pensamentos e sentimentos da sua mulher, à determinação de encontrar uma explicação que pudesse fazer sentido e ao regresso a uma realidade que tinha deixado há muito para trás.

Adorei o livro de Yasmina Khandra porque mostra que a amizade, a tolerância, a compreensão e a coexistência são possíveis, são uma realidade. E com esta realidade como ponto de partida, leva-nos lentamente, seguindo a busca de Jaafari, àquela outra realidade, que existe ao lado da primeira, comprometendo-a, questionando-a, todos os dias: aquela de milhões de Palestinianos nos territórios ocupados ou no exílio; aquela da humilhação diária, do desespero, da dor, do abuso, da morte, da revolta; aquela de um poder arbitrário que faz nascer terroristas, bombistas suicidas, que são venerados como heróis e mártires.

Khandra faz-nos questionar a primeira realidade. Será o resultado de silêncios convenientes; da ignorância? Será falsa; incapaz de sobreviver quando o silêncio é quebrado? Ou será o resultado de força e determinação, do desejo informado, e por isso consciente, de paz?

Ziad Doueri, realizador do filme O Atentado.
O filme O Atentado de Ziad Doueri abriu este ano a Judaica – Mostra de Cinema e Cultura em Lisboa. Fui vê-lo sabendo que raramente ou nunca os filmes são tão bons como os livros. A regra foi mais que confirmada.

O que mais me impressionou foi a superficialidade com a qual Doueri lidou com a história. Não foi capaz de dar qualquer profundidade aos personagens, aos seus sentimentos e ideias, e mais que uma vez tive a sensação que estava a ver uma telenovela. Além disso, Doueri optou por ignorar a narrativa de Yasmina Khandra na descrição da busca de Jaafari nos territórios e praticamente apresentou os Palestinianos como nada mais do que uma máfia. Levantei-me assim que o filme acabou, perplexa também pelo facto do final ser totalmente diferente daquele do livro. Mesmo antes de sair da sala, pude ouvir o realizador explicar ao público que o final do livro não lhe era conveniente, por isso optou por um final diferente. Porque é que não escreveu a sua história em vez de arruinar a de Khandra?

Cena do filme O Atentado.
Poucos dias mais tarde, vi uma entrevista de Douari e apercebi-me que havia mais. Enquanto o ouvia falar da sua infância em Beirut, dos seus pais liberais, dos tabús dos árabes no que diz respeito a Israel, da estupidez que é o ramadão, percebi que Doueri, ao querer ser progressista e de mente aberta e liberal, construiu a sua própria versão d´O Atentado com a intenção de desafiar o ponto de vista árabe. Desafiá-lo ignorando-o, fazendo dele uma caricatura. Mais uma vez, porque é que não escreveu a sua história em vez de se aproveitar do best seller de Khandra?


A coexistência, a reconciliação, a construção de um futuro comum não é algo fácil. È o que nos diz Yasmina Khandra. É o que sinto quando tenho que falar ao meu filho do passado e presente greco-turco. É o que me atormentou enquanto lia The Antelope's Strategy, Living in Rwanda after the Genocide de Jean Hatzfeld. Podem ser precisos alguns silêncios, mas como resultado de conhecimento e de compreensão e não de ignorância. É preciso força, a capacidade de perdoar sem esquecer. E preciso abertura de espírito, a capacidade de ouvir e pesar os argumentos da outra parte. Não é fácil; é muito difícil e é complexo. É preciso começar por reconhecer precisamente este facto; e respeitá-lo.

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