Monday 13 January 2014

Blogger convidado: "Visão artística e mecenato", por Filiz Ova-Karaoglu (Turquia)

Quando conheci a Filiz e ouvi-a apresentar o seu trabalho, lembro-me que sorri. Apesar de tranquila e algo reservada, estava a explodir com ideias e parecia que não sabia como lidar com todas elas, o que fazer com elas. Neste post escreve sobre o seu trabalho na Sala de Concertos Is Sanat, financiada pelo banco homónimo. Os equilíbrios não são fáceis de manter, especialmente nos dias de hoje, mas a Filiz está a criar um caminho, constantemente a aprender, a experimentar, clara sobre os seus objectivos. mv

Buika Symphonic, 24 Maio 2013 (Foto: Ilgın Yanmaz)
As dificuldades financeiras nas instituições culturais são um assunto permanente na nossa área. Especialmente em países onde o apoio à cultura é algo que ainda e sobretudo diz respeito a entidades privadas, com muito pouco apoio da parte do governo. Até os pioneiros que têm mais sucesso neste sector não são sempre economicamente eloquentes. Temos a tendência de esquecer que estamos a gerir um negócio e que, apesar de não termos fins lucrativos, temos que manter as nossas instituições activas. Muito recentemente, vimos umas das mais destacadas instituições culturais turcas prestes a perder o seu edifício devido a um grande buraco financeiro. Salva pelos seus fundadores – uma grande empresa – no último momento antes de perder o seu lindo edifício, coloca a questão do envolvimento de instituições financeiras na cultura e na arte: deveriam manter-se apenas como mecenas ou interferir directamente no trabalho?

O crescente envolvimento das empresas nas instituições culturais não parece tão rebuscado. Não agem como um patrocinador, mantidas à distância e convidadas apenas para as festas, mas são uma parte essencial do nosso plano estratégico e da tomada de decisões. Num ambiente onde a indústria cultural está a florescer, com grandes investimentos em várias formas artísticas, desde as galerias de arte moderna aos museus, desde espaços para concertos e artes performativas às arenas, a questão é se os profissionais de cultura tem um know how suficiente sobre questões económicas, sociológicas e de marketing. E precisam de ter?

Sim, realmente. Vejo um modelo onde o envolvimento directo nas estratégias financeiras e de marketing é um ponto vital e uma grande vantagem. Ter o patrocínio de uma grande empresa e, ao mesmo tempo, ser parte da sua estrutura interna, proporciona uma estrutura estável e sustentável de estratégias de marketing e comunicação e permite a adaptação a um ambiente em constante mudança, sociologicamente, estrategicamente e economicamente. Apesar disto trazer alguma dependência de certas doutrinas adoptadas pela empresa e de certas expectativas, penso que podemos criar um compromisso, desde que o nosso trabalho artístico possa continuar a fluir livremente. Essas doutrinas não têm necessariamente que ser restritivas. Existem excelentes exemplos, como a Bienal Internacional de Istambul, que foi realizada com sucesso e que é, sem dúvida, um dos projectos mais corajosos e inovadores na sua área a nível internacional, especialmente a sua última edição, que enfrentou um realidade sócio-política bastante difícil na Turquia.

Mesmo assim, iria distinguir uma relação meramente de patrocínio de uma relação de interacção com uma empresa. Consideraria a questão do patrocínio um apoio externo no âmbito de uma visão artística existente, enquanto na relação de interacção é desenvolvida uma visão artística coerente. Esta não deveria estar baseada de forma alguma em preocupações ligadas ao sucesso comercial, embora tenhamos que olhar para a nossa viabilidade. Uma iniciativa nova, sem garantias de sucesso, precisa de paciência, mas, sobretudo, de uma visão baseada numa missão sólida. Apesar de não podermos registar grandes números, existem, felizmente, alguns exemplos em várias áreas, como galerias de arte, museus e espaços para as artes performativas.

L.A. Dance Project, 10 Maio 2013 (Foto: Ilgın Yanmaz)
A adopção de uma visão a longo prazo baseada em princípios de sustentabilidade resulta numa instituição estável, enraizada num terreno comercial e artístico sólido. Se isto poderia associar-se à criatividade e à liberdade artística, estaríamos num mundo perfeito de utopia artística. Mas mesmo assim, existem modelos de trabalho. Is Sanat foi fundado em 2000 como uma espaço para concertos que acolheria várias formas artísticas. A partir dessa altura, recebeu uma grande variedade de espectáculos, desde a música clássica ao jazz, músicas do mundo, actividades para crianças, recitais de poesia, música tradicional turca, concertos de pop e acoustic rock, uma série com jovens artistas emergentes, e muito mais. O espaço inclui ainda uma galeria de arte que recebe quatro retrospectivas por ano. Sendo uma entidade inovadora numa zona que se tornou num dos bairros de negócios e compras mais populares da cidade, com instituições artísticas emergentes e uma grande variedade de eventos culturais, continua a ser até hoje, de muitos pontos de vista, a única instituição do género.

Com base em certos princípios que foram definidos desde a fundação da nossa instituição, coerentes com as doutrinas de sustentabilidade e longevidade dos nossos mecenas, sendo nós a equipa artística, desenvolvemos um pacote, um casulo artístico à volta destes princípios, que apresentamos como sugestão aos nossos mecenas, e que eles têm a amabilidade de aceitar. Em troca, desenvolvemos as estratégias certas para o nosso ‘casulo artístico’, incluindo marketing e comunicação. É uma interacção mútua, um modelo de dar e de receber um do outro. Nesse sentido, a abertura para a mudança é um factor importante no nosso trabalho. Reinventámo-nos a nós próprios de várias formas ao longo dos anos. A mudança demográfica do nosso público levou-nos a incluir novos géneros na nossa programação, tal como teatro para a infância, a série Rising Star de concertos de acoustic rock, que provaram ser muito populares depois de um certo período de tempo. Mas, mais uma vez, foi preciso tempo para se desenvolverem e acentar. Juntos abraçamos um ambiente artístico, económico e social em mudança, ano após ano. Mantendo-nos fiéis aos nossos princípios, desenvolvemos e crescemos. No próximo ano Is Sanat vai celebrar o seu 15º ano neste modelo de colaboração. Uma vez que estamos constantemente a desenvolver, não sabemos se isto não vai mudar. Mas, para nós, provou ter sucesso nos últimos 14 anos e só podemos esperar que continue a tê-lo para muitos mais anos no futuro.

Nota:
Quando fazia a revisão deste artigo, a minha colega e amiga Maria, que me convidou para escrever no seu blog, perguntou e com razão:”Se nós profissionais da cultura precisamos de nos interessar e adquirir know-how em assuntos económicos, as empresas que participam no nosso trabalho precisam de saber de arte?”. Diria que um entendimento do conteúdo artístico seria necessário, sim. Mas se for comunicado em detalhe e correctamente pela equipa artística, isto não deveria causar problemas. Como referi, uma vez que o nosso trabalho artístico tem fluído livremente e temos estado a trabalhar à volta do conceito artístico, verificamos que no nosso caso a maioria das estratégias tem funcionado bem. Não tem sido impecável e ao longo dos anos temos encontrado obstáculos no nosso entendimento mútuo. Depois de 14 anos, no entanto, desenvolvemos uma unidade.



Filiz Ova-Karaoglu é directora artística da sala de concertos Is Sanat. Is Sanat tem uma lotação de 800 lugares e apresenta uma temporada de 7 meses com uma programação variada de artes performativas. Tendo trabalhado para a Is Sanat desde 2008 como Directora Assistente, Filiz Ova-Karaoglu foi nomeada Directora Artística em Janeiro 2013. É Mestre em História de Arte e Estudos Americanos pela Eberhard Karls University Tubingen, onde  continua os seus estudos a nível de doutoramento. É Summer Fellow no DeVos Institute of Arts Management no Kennedy Center for the Performing Arts.

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