Monday 21 October 2013

Blogger convidado: "Organizações culturais e comunidades: parceiros perfeitos", por Karen O'Neill (Reino Unido)

Não há nada mais inspirador do que ouvir a Karen O’Neill falar dos programas para o envolvimento da comunidade do Laurence Batley Theatre, onde é a Gestora. Sobretudo porque sentimos o quanto as intenções são focadas, sérias, honestas e sinceras. Tudo isto é muito mais que palavras; estas são as acções concretas de uma instituição cultural que não tem dúvidas quanto ao seu papel na comunidade em que se insere. Tudo isto é muito mais que defender o acesso e a construção de relações; é, realmente, fazê-lo acontecer. É a riqueza destas experiência que a Karen partilha connosco. mv

Todos a sentimos, aquela sensação estranha no estômago, uma mistura de excitação e nervosismo. A sensação que algo novo, algo grande está prestes a começar. É assim mesmo que nos sentimos neste momento no Laurence Batley Theatre (LBT) porque encontrámos a nossa cara metade. Sim, criámos uma parceria com uma comunidade nova!

Para uma instituição cultural, envolver-se com uma comunidade nova é como começar um novo romance. As fases são as mesmas: conhecer um ao outro, o maravilhoso período de lua-de-mel, crescer juntos e, claro, a inevitável ruptura.

Conhecer o outro
No LBT temos trabalhado nos últimos 5 anos no desenvolvimento de um programa e estratégia de envolvimento das comunidades que, tal como um verdadeiro gentleman, coloca as comunidades no centro, procurando encorajá-las a liderar e inspirar o seu trabalho. Trabalhamos com elas no sentido de criar caminhos através dos quais as pessoas possam explorar a sua própria criatividade e de as equipar para navegarem as artes. Aprendemos o quanto é importante as comunidades sentirem-se confiantes em relação ao seu envolvimento. Temos que ser pacientes e compreensivos, permitindo-lhes andar ao seu próprio ritmo. Damos resposta às vontades e desejos da comunidade com a qual criamos uma parceria, passando algum tempo a conversar e a descobrir em conjunto. O que se aprende durante esse tempo é vital para formar o envolvimento e construir uma boa base sobre a qual a relação possa florescer.

Iniciação ao teatro para adultos. (Foto: Peter Boyd)
Lua-de-mel
Sem dúvida, o melhor momento em qualquer relação, quando as coisas andam lindamente e, francamente, não podemos viver um sem o outro. O LBT oferece neste momento uma série de workshops, programas e projectos em resposta a tudo o que aprendemos sobre essa comunidade, as suas necessidades, pontos fortes, esperanças e pontos fracos. Através de um gestor de projecto que se dedica a esta parceria, o LBT procura criar fortes ligações com a comunidade e usar a criatividade como uma ferramenta para a mudança. Através de uma série de iniciativas, desde workshops de jogos criativos para jovens pais a projectos de teatro intergeracionais, o LBT usa a criatividade para gerar aspirações e promover a coesão.

The Courtyard Circus - evento de celebração produzido por jovens da comunidade (Foto: LBT) 
Crescer juntos
Quando a novidade se desgasta, é importante que ambas as partes dedicam algum tempo e energia para olharem para o futuro e enfrentar os obstáculos que possam prejudicar a relação. Como muitos especialistas em relacionamentos vos dirão, este pode ser o momento de avanço ou ruptura. Repetidamente, as instituições culturais caem de pára-quedas nas comunidades e não pensam para além da oferta inicial. É vital desenvolver um caminho entre a participação e a performance.   

No que diz respeito a um envolvimento sustentável, as instituições culturais devem trabalhar com as comunidades no sentido de identificarem e ultrapassarem as barreiras existentes. Da minha experiência em trabalhar com comunidades, sei que essas barreiras podem muitas vezes ser complexas e emotivas, podem estar relacionadas com o transporte, a confiança, o acesso, questões económicas, etc., etc. Apenas ultrapassando estas barreiras podem as comunidades passar de um compromisso de envolvimento a curto prazo (actividades gratuitas na sua área) para um compromisso de envolvimento (comprar bilhetes para um espectáculo) ou para um envolvimento alargado (participar num programa de teatro para jovens). É importante que as instituições culturais trabalhem com as suas comunidades no sentido de passar por estas etapas de envolvimento. Apenas porque alguém vem a um workshop de teatro no seu centro local não significa que automaticamente irá adquirir bilhetes para a temporada de teatro no seu teatro local. No LBT procuramos ultrapassar as barreiras usando várias tácticas, desde idas organizadas ao teatro, visitas guiadas e conversas com os funcionários do teatro, juntando diferentes grupos de teatro de jovens da comunidade, pensando em políticas de preços estruturadas, propondo visitas aos bastidores, etc. A nossa experiência ensinou-nos que esta etapa no envolvimento da comunidade é um factor chave para termos sucesso. A compreensão do papel importante que o envolvimento da comunidade tem no desenvolvimento de públicos ajuda o LBT a desenvolver públicos para hoje e para o futuro.

Re:Volt - peça produzida pela equipa do teatro com um elenco composto exclusivamente por membros da comunidade, apresentada no palco principal do LBT como parte da temporada de teatro. (Foto: Peter Boyd)

A separação é difícil
Todas as coisas boas têm um fim e, infelizmente, chega sempre o momento em que temos que nos afastar. O LBT compromete-se sempre a desenvolver um projecto de um mínimo de 3 anos com qualquer comunidade. Poderiam perguntar porque é que não ficamos mais tempo, mas a verdade é que as necessidades são muitas e os recursos poucos. Acreditamos que concentrando o nosso trabalho numa comunidade durante um período de tempo sustentável traz os melhores resultados para a comunidade envolvida e para o LBT. O LBT pensa na sustentabilidade de qualquer programa desde o primeiro momento, procurando promover projectos de capacitação paralelamente ao programa criativo. Entendemos que em parte o nosso papel é equipar as comunidades com capacidades e ferramentas que irão precisar para sustentar a prática criativa depois de nos irmos embora. Trabalhamos com a comunidade no desenvolvimento de uma estratégia de saída adaptada às suas ambições e planos para o futuro.

Podemos ainda ser amigos?
Claro que sim! Uma função fundamental de qualquer programa de envolvimento da comunidade é que serve como ferramenta para o desenvolvimento de públicos. O envolvimento da comunidade constrói um público forte e activo, extremamente envolvido com a instituição e que compreende os seus valores e também o seu valor como organização. Através das ligações profundas criadas com as comunidades através do envolvimento sustentável, o LBT tem criado públicos que estão apaixonados pelas artes e que compreendem o valor da prática criativa; um público que defende o LBT em fóruns e debates onde nós próprios nunca teríamos acesso.

Perante os cortes no financiamento, as autarquias começam a reduzir a sua oferta. É por isso vital que as instituições culturais abracem as suas comunidades e criem parcerias com elas. Através de programas de envolvimento sustentados e bem pensados, as instituições culturais podem criar uma base de públicos entusiasta e envolvida, já convencida que as artes e a cultura não são um luxo, mas, como as relações, uma parte essencial da vida.

                  

Karen O’Neill é a Gestora do Lawrence Batley Theatre (LBT) em Huddersfield West Yorkshire no Reino Unido. O LBT apresenta os melhores espectáculos ao vivo e trabalha de perto com a comunidade local. A Karen é responsável pelo desenvolvimento estratégico do teatro, desde garantir o futuro financeiro da organização através da angariação de fundos e criação de receitas à criação de um espaço onde a criatividade possa florescer. Começou a sua carreira como gestora de teatros comunitários, trabalhando tanto em projectos de envolvimento da comunidade como na estabilidade financeira das organizações. A seguir passou para as instituições de grande escala no sector do teatro comercial.  Neste momento, é fellow no DeVos Institute of Arts Management no Kennedy Centre em Washington D.C., onde se junta a gestores culturais de todo o mundo que procuram aprender, criar, capacitar-se e inspirar-se mutuamente.

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