Wednesday 26 December 2012

No meu 2012...


Um espectáculo




Três filmes



e


e



Uma artista da palavra dita





Uma canção




Um livro





E a viagem...

Clique aqui para ver o álbum.

Monday 17 December 2012

Blogger convidado: "A história do rapaz que adormeceu", por Mohamed El Ghawy (Egipto)

O último blogger convidado este ano é um sonhador, um contador de histórias, é o meu amigo Mohamed El Ghawy. O Mohamed é aquele género de sonhador que nos surpreende pela forma como consegue manter os pés na terra. É cauteloso mas determinado, procura sempre dar passos em frente, sabe o que é preciso fazer para que os sonhos se tornem realidade e... fá-lo. Tivemos longas conversas no verão passado sobre a situação no Egipto e os seus planos para a AFCA, a organização que criou em 2004 com o objectivo de educar as crianças egípcias através das artes e da cultura. Esta é a sua contribuição para o futuro do seu país, um futuro habitado por cidadãos criativos, imaginativos, sensíveis e activos, capazes de aceitarem os outros e de encontrarem o seu caminho sozinhos. mv

Workshop de artes visuais com crianças carenciadas. (Foto: AFCA)

“As crianças enchiam o hall e, como habitualmente, eu estava a contar uma história. Algumas delas abriam as suas boquinhas imitando-me, outras abriam os seus olhinhos fascinadas. A interacção era maravilhosa, divertia-me muito a esticar a minha voz para imitar personagens e vários animais. As crianças estavam a rir-se. Estavam felizes por assistir, tal como eu estava feliz por representar. De repente, reparei num rapaz que estava na última fila, contra a parede. Os seus olhos fecharam-se e cabeceou. Adormeceu e senti-me chocado, era a primeira vez que isto me acontecia. Chateado por não ter conseguido atrair a sua atenção, continuei e no fim apresentei as minhas desculpas à professora. Ela, vendo como isto me tinha afectado, riu-se e disse: «Este rapaz sofre de insónia e estamos a trabalhar com os seus pais para o ajudar. O médico diz que não dorme porque não se sente seguro»”.

Isto não me aconteceu a mim; foi um contador de histórias da Croácia que nos contou numa formação na Irlanda. Há muito tempo que estou interessado na forma como usar as artes na educação dos mais novos. No meu país, o Egipto, o sistema de educação é muito tradicional e as crianças é suposto decorarem tudo sem reflectirem sobre aquilo que estão a memorizar, o que acaba por ser aborrecido. Para mim, a Educação é uma ferramenta e deve continuar a sê-lo.

Quando tinha 25 anos, fiz uma viagem de barco no sul do Egipto com um grupo de amigos, para fugir da vida louca de Cairo. Navegámos ao longo do Nilo num barco pequeno durante 4 noites. Sem tecnologia, sem stress, só a natureza e nós. Uma noite, o céu estava cheio de estrelas e um dos meus amigos, o Damian, abriu um mapa de estrelas e começou a brincar com pedrinhas. Disse que se fizéssemos um desejo naquele momento, tornar-se-ia realidade antes do fim do ano seguinte. Sem hesitar, falei do meu sonho em abrir um espaço onde as crianças pudessem aprender tudo através das artes. Os meus amigos ficaram muito entusiasmados e começámos a procurar um nome. “Deve incluir o francês, tu adoras essas língua”, disse Marwa; e a Yasmine disse: “Irás abri-lo no Cairo, certo?”. O Damian disse que no seu país, a Bélgica, esse género de projectos chamava-se “academia das artes” e naquele momento surgiu o acrónimo francês AFCA - Académie Francophone Cairote des Arts.

Meio ano depois, juntámo-nos todos para a inauguração da minha academia das artes. O Damien estava na Europa e voltou para o natal, vestido de Pai Natal e cantando para as crianças: “Há um ano, brincávamos com as estrelas no céu, agora brincamos convosco aqui na terra…”.

A missão da AFCA é “Educar as crianças e os jovens através das Artes e da Cultura no Egipto”. As actividades que propomos são desenhadas para reforçar o uso das línguas – francês, inglês e árabe – e para estimular a criatividade e talento artístico natural de cada criança, usando-o como um meio para desenvolver capacidades pessoais.

Algumas pessoas acreditaram na nossa missão. Lembro-me da mãe de Aly, que nos apoiou imenso desde o primeiro momento. Tal como nós, acreditava que a sua criança podia aprender e falar uma segunda língua sem ser necessário passar por um sistema académico, apenas através das artes. Conversámos dois anos depois da abertura da AFCA. Disse que Aly estava muito feliz. A sua personalidade tinha mudado e tinha desenvolvido muito as suas capacidades de socialização – mas só falava apenas a língua que lhe ensinavam na escola. Três anos mais tarde, telefonou-me. “Há quatro dias que estamos em França e Aly é o nosso guia, fala em francês. Obrigada!”. Na AFCA, tínhamos brincado juntos com as línguas, tínhamos pintado, até tínhamos cozinhado com elas. Aly tem agora 12 anos e faz parte da equipa que está a planear o nosso décimo aniversário em 2014.

Depois da revolução, tínhamos energia positiva e sentimos que estávamos livres. Decidimos construir pontes com outras culturas e criámos o Hakawy International Arts Festival for Children com o objectivo de trazer ao Egipto espectáculos de todo o mundo. A exposição a outras culturas irá apoiar o desenvolvimento da imaginação e criatividade das crianças e abrir as suas mentes para o mundo e a diversidade cultural. Abrimos o festival a crianças carenciadas, que normalmente têm acesso limitado às artes. Mas têm também o direito de se exprimirem e de se sentirem aceites pelos outros, também a nível internacional. Acreditamos que as artes e a cultura são inestimáveis para as crianças, tão importantes como a comida e a saúde. Comer é uma cultura, conduzir um carro é uma cultura, ouvir enquanto se conversa com outros é uma cultura, limpar é uma cultura. No Egipto, especialmente agora, precisamos destes lados intangíveis da cultura.

Segunda edição do Festival Hakawy, com crianças com necessidades especiais. (Foto: AFCA)
Algumas pessoas pensam que ensinar artes às crianças é um luxo. Não é; é tão importante como qualquer outra coisa. Ensina criatividade, capacidades de socialização e imaginação. A história de um país, contada como conto ou representada numa peça, nunca será esquecida. Quantas pessoas se lembram das datas históricas se as estudaram apenas para responder às perguntas de um exame?

Aprender através das artes enriquece muito a educação de uma criança. A equipa da AFCA ensina línguas estrangeiras através de teatro e de canções, e até disciplinas mais complexas, como a matemática e as ciências, podem ser ensinadas através das artes visuais. É mais importante do que nunca para as gerações mais novas possuírem um amplo leque de capacidades. Considerando algo tão simples como cozer bolos, uma tarte de maçã pode ajudar surpreendentemente uma criança a aprender a comportar-se como membro de uma equipa. As artes não são uma disciplina por si; atravessam todo o currículo.

Devido à situação económica do Egipto, que impede 20 em cada 100 crianças de encontrar um lugar numa escola pública, não podemos deixá-las mais na dependência do governo. Temos que as formar desde muito cedo, de uma forma criativa, para aprenderem a pensar e a investigar. Não só para nos seguirem, mas para estarem no centro, sendo nós aqueles que as seguem.

Nas instalações da AFCA, no dia a seguir à demissão de Hosni Mubarak. (Foto: AFCA) 

Para contribuir para o desenvolvimento do nosso país, e considerando que as organizações independentes devem fazer parte da solução, a AFCA juntou-se ao conselho consultivo das escolas de Heliópolis – Cairo Oriental, para desenvolver a educação através das artes e da cultura nas escolas públicas. Estamos a espalhar o nosso conhecimento, observamos os processos e avaliamos depois da implementação de cada projecto. Dizemos sempre que “A educação através das artes e da cultura não precisa de um PhD; todos podem fazê-lo, em casa, na rua… com as suas crianças ou com as crianças dos seus amigos”. Não posso ainda esquecer-me do papel das artes e da cultura na construção da inclusão social das crianças ou daquelas com necessidades especiais. Podem até substituir um medicamento. Lembro-me ainda do impacto que as nossas actividades tiveram nos refugiados do Iraque e agora da Síria, que se sentiram socialmente incluídos através das artes. Não custa nada, temos apenas que acreditar que, para assegurarmos o futuro das nossas crianças, precisamos de começara  trabalhar com elas desde cedo. O nosso objectivo é ajudar todas as crianças egípcias a serem capazes de aceitar os outros e a encontrarem o seu caminho sozinhas.

Não é fácil trabalhar nas artes, especialmente com a situação política actual, mas estamos a avançar e tentamos ser criativos na resolução dos nossos problemas. Dou sempre coragem a mim próprio e à minha equipa lembrando a todos que o rapaz que adormeceu não estava aborrecido com a história; adormeceu porque se sentiu seguro.


Mohamed ElGhawy é licenciado em Artes, Francês e Literatura pela Universidade de Cairo. Começou a sua carreira como professor de teatro, actor e contador de histórias, em várias escolas e centros culturais. Escreveu várias peças de teatro e encenou muitas produções. Tendo recebido formação pela organização IBO em como usar as artes na educação, fundou no Egipto em 2004 a AFCA, uma organização artística e cultural independente. A fim de promover a cultura árabe e egípcia em todo o mundo, tem viajado a vários países como contador de histórias e formador em educação pela arte. Criou o Hakawy International Arts Festival for Children in Egypt, sob a égide do Ministério da Cultura do Egipto, e com o apoio de várias embaixadas e da UNESCO. É membro do Conselho Consultivo das escolas de Heliópolis – Cairo Oriental. Estudou no DeVos Institute of Arts Management no Kennedy Center for the Performing Arts, em Washington. Colaborou com artistas internacionais em vários projectos que tinham como objectivo usar as artes e a cultura como ferramenta para a aprendizagem intercultural, em França, Alemanha e Argélia. Recentemente, tornou-se representante de Assitej International Network for Theatre for Young Audience and Youth no Egipto e está a trabalhar localmente com outras organizações para a sua reconstrução.

Monday 10 December 2012

Lugares mágicos

Workshop de Ricardo Lopes (Foto: Vasco Célio /Stills)
As exposições blockbuster atraem muitas pessoas e muita atenção. São consideradas acontecimentos únicos na vida de alguém. Nos últimos doze meses, três tiveram particular destaque nos meios de comunicação: Leonardo da Vinci: Painter at the Milan Court na National Gallery de Londres; a retrospectiva de Damien Hirst na Tate Modern (esteve aberta entre Abril e Setembro e quando encerrou era a exposição individual mais popular na história do museu); e houve ainda a exposição The Steins Collect: Matisse, Picasso and the parisianAvant-Garde no Metropolitan Museum of Art (apesar de, neste caso, a grande questão ter sido o facto da exposição de moda Schiaparelli and Prada: Impossible Conversations, também no Metropolitan, a ter ultrapassado em termos de afluência - ler aqui).

Por ocasião da exposição de Leonardo, o jornal Guardian tinha lançado o debate “Are blockbuster art shows worth queueing for?” (Vale a pena ficar na fila para exposições blockbuster?), onde a jornalista do Observer Miranda Sawyer e o director da Royal Academy Charles Saumarez Smith  - defendendo o ‘não’ e o ‘sim’ respectivamente – discutiram se e como uma pessoa pode apreciar a arte numa sala que está a abarrotar. Nessa altura, James Page acrescentou um elemento mais interessante no debate, lembrando no seu blog que “a discussão estava a revelar de várias formas, e não apenas em termos das opiniões expressas pelos dois protagonistas, mas também como uma tendência natural no sector cultural, o facto de se perguntar a si próprio como é que os seus públicos pensam, sentem ou agem em vez de irem ter directamente com os públicos em questão”.

As exposições blockbuster levantam igualmente a questão da escala. E esta parece ser uma questão que preocupa muito as pessoas, uma vez que, como cidadãos em geral e como profissionais em particular, têm a tendência em se sentir pequenos – e por ‘pequenos’ querem dizer sem poder, sem capacidade de criar impacto.

Tenho pensado na questão da escala também, sobretudo nas ideias e nas acções que são provavelmente de uma escala pequena ou média, mas que têm impacto e podem ainda fazer a diferença na vida de outras pessoas – para além da nossa, claro. São as ideias e as acções que estão ao nosso alcance, mas que podem na mesma contribuir para um todo maior.


Workshop de Maria Alcobia (Foto: Vasco Célio / Stills)
O projecto “Lugares Mágicos” é uma iniciativa da Direcção Regional de Cultura do Algarve. Junta sítios históricos e a criação artística contemporânea; torna-se no ‘lugar mágico’ de um encontro entre artistas e jovens institucionalizados. Mais concretamente, os artistas Maria Alcobia, Vasco Célio, Ricardo Lopes e Miguel Cheta (respectivamente das áreas da dança, fotografia, cerâmica e design), coordenados por Tânia Borges Nunes (Atelier Educativo), trabalharam juntamente com os jovens e, inspirados na herança local, ensinaram-lhes as técnicas da sua arte e juntos produziram peças lindíssimas.

No seguimento da primeira edição, em 2010, houve uma publicação com textos escritos pelas várias pessoas envolvidas. A segunda edição, em 2012, resultou numa jornada de reflexão, no mês passado, que juntou mais uma vez as pessoas envolvidas e deu-nos a oportunidade de conhecer o projecto em mais detalhe. Logo no começo, aconteceu algo raro: representantes da área da cultura, da educação e da acção social sentaram-se à volta da mesma mesa e elogiaram um projecto que, acreditam, cumpriu um objectivo que lhes é comum (não é disso que se trata? não deveria sempre ser assim?). O dia prosseguiu e, através de filmes, fotografias e debates entendemos a enorme visão por trás deste projecto de escala algo pequena.

Não há dúvida que este projecto teve um impacto significativo nas vidas de todos os envolvidos. Ao ouvi-los falar, apercebemo-nos que foi um processo de descoberta e de inspiração e, em certos casos, uma experiência transformadora quanto às percepções de ‘normalidade’ e ‘inclusão’. Neste sentido, parece que os objectivos enunciados pela Directora Regional Dália Paulo – “potenciar olhares, diálogos e experiências ao público-alvo, num exercício pleno de cidadania e “a cultura [como] motor para uma mudança social” – tenham sido cumpridos. Senti apenas que foi uma pena não termos ouvido a voz dos próprios jovens, não ouvimos a história da sua participação e daquilo que esta significou para eles nas suas próprias palavras (uma indicação que aquela tendência natural do sector cultural britânico, de que falava James Page, ‘afecta’ de igual modo o sector cultural português). Filomena Rosa, presidente de uma das instituições sociais envolvidas, trouxe-nos algum feedback ao citar as jovens na sua apresentação: “Fotos na cidade! Antes eu não ligava, eram pedras velhas, mas com as fotos aprendi” ou “Aprendi que uma foto tem muito a dizer… Como uma paisagem que nos diz algo. Com sentimentos”.


Workshop de Vasco Célio (Foto: Vasco Célio / Stills)
No meu comentário final nesse dia, recordei a coreógrafa brasileira Lia Rodrigues – que não criou o seu estúdio numa das favelas de Rio de Janeiro procurando resolver o problema da pobreza ou da violência -  e o maestro Daniel Barenboim – que não criou a West-Eastern Divan Orchestra esperando trazer a paz ao Médio Oriente (mais no meu post Lugares de Encontro). A contribuição da Cultura não está, em primeiro lugar, relacionada com questões como a pobreza, a violência, o crime, a saúde mental, a iliteracia, etc. Artistas e profissionais da cultura em geral não procuram assumir o papel de assistentes sociais, professores, políticos, polícias, padres ou médicos. A Cultura, em primeiro lugar, tem a ver com o pensamento crítico, a auto-expressão (verbal e não verbal), a criatividade, a sensibilidade; tem a ver com o ficar a conhecer o ‘outro’. Neste sentido, quando tudo (cultura, educação, acção social) se junta – num ‘lugar de encontro’ ou num ‘lugar mágico’ – acredito que temos mais hipóteses de construir uma sociedade mais democrática, mais tolerante, mais inclusiva; uma sociedade onde não vivemos em compartimentos e não definimos o ‘outro’ pelas suas diferenças, mas simplesmente o vemos como um outro ser humano (e não ‘especial’ ou ‘deficiente’ ou ‘diferente’ ou até ‘problemático’). “Lugares Mágicos” é o género de projecto que junta os ingredientes necessários para que isto aconteça.

Uma nota final: recentemente estive por duas vezes no Algarve em encontros com profissionais da cultura. Senti que há neles uma clara noção de propósito, há muita motivação e empenho para a ‘causa’, há satisfação pelo que tem sido feito e vontade de fazer mais. E tudo e todos apontam para a Directora Regional, a nossa colega Dália Paulo. Não há dúvida para mim que é a sua visão, o seu profissionalismo, os seus conhecimentos e capacidades que guiam e inspiram toda a equipa. A Dália Paulo e os restantes colegas que conheci no Algarve trabalham à sua escala, fazendo uma diferença blockbuster na vida das pessoas que habitam na região. São os beija-flores (hummingbirds) de Wangari Maathai.

Monday 3 December 2012

Quem diz?

Giselle Ciulla, 'curadora' da exposição Giselle´s Remix (Imagem retirada do website do Clark Art Institute).
uCurate é uma iniciativa do Clark Art Institute na cidade de Williamstown nos EUA. Trata-se de uma aplicação digital que permite às pessoas desenhar exposições imaginárias a partir da colecção do museu. As propostas entram numa competição e a proposta vencedora é materializada com a ajuda do museu. Nesta primeira edição, e após a avaliação de quase 1000 candidaturas, a proposta vencedora foi a de uma menina de 11 anos, Giselle Ciulla, que nos convida a visitar Giselle´s Remix (mais aqui).

É tão bom ver a cara alegre da Giselle e quase que sentimos o orgulho que ela sente na sua proposta. É também este o papel dos museus na sociedade, um papel que permite o envolvimento, a participação activa, que reconhece que existem mais versões da ‘verdade’ e que as acolhe, mesmo tratando-se de crianças com 11 anos. As legendas que acompanham as obras na exposição foram escritas pela própria Giselle. Transmitem simplicidade e frescura, demonstram sensibilidade. Há uns anos atrás tinha visto legendas escritas pelos visitantes na Tate Britain e tinha também gostado muito. Eram, para mim, tão interessantes como as outras, as ‘oficiais’. Na altura (foi em 2004), Maev Kennedy do Guardian achou a iniciativa dúbia. Quanto ao director da Tate Britain, Stephen Deuchar,  dizia que estaria particularmente interessado em receber as contribuições de visitantes que poderiam saber muito mais sobre uma pintura do que os especialistas do museu ou os próprios artistas (ler mais aqui).

Nos dias 12 a 14 de Novembro estive na conferência Em nome das artes ou em nome dos públicos, organizada pela Culturgest em colaboração com o programa Descobrir da Fundação Gulbenkian. Uma das principais preocupações dos presentes pareceu-me ser a questão da ‘autoridade’ à volta da interpretação de uma obra. Quando fiz o meu mestrado, éramos ‘avisados’ que as pessoas reconheciam autoridade no museu, assumiam a informação que ali encontravam como ‘verdade validada’. Mas também naquela altura, e já vão quase 20 anos, questionávamo-nos sobre a possibilidade (e a obrigação) de criar espaço para ser contada mais que uma história.


Pois, a preocupação e a reflexão continuam nos dias de hoje. O conceito de museu participativo (tão bem fundamentado na teoria e através da prática por Nina Simon) ganhou grande expressão. Um caso interessante, entre os vários que foram apresentados na conferência Em nome das artes ou em nome dos públicos, foi o dos dTOURS na exposição de arte contemporânea dOCUMENTA - visitas guiadas (pagas) realizadas por pessoas de várias idades e backgrounds, residentes, a maioria, na cidade de Kassel, onde tem lugar a exposição. Os dTOURS tinham tido lugar pela primeira vez na edição anterior, dOCUMENTA 12, e foram motivo de várias reclamações por parte do público. Apesar da organização ter informado que as visitas seriam feitas por não especialistas, os participantes não deixaram de se sentir ‘enganados’, as suas expectativas eram diferentes. No entanto, e apesar da avaliação da iniciativa não ter sido positiva, a dOCUMENTA 13 retomou-a, com os mesmos resultados.

Várias questões se levantam aqui: Porque é que uma iniciativa se repete, nos mesmos moldes, se a sua avaliação não é positiva? Estaremos - em nome da experimentação, da exploração, da vontade de fazer mais e melhor - a ignorar necessidades básicas das pessoas, como o ouvir o que um especialista tem a dizer sobre uma determinada temática, como uma visita guiada ‘normal’, como uma legenda ‘normal’? Estaremos a caminhar para um extremo oposto, onde “o visitante é que sabe” (até “mais que o próprio artista”, para citar novamente aqui o antigo director da Tate Britain)?

O livro de Clay Shirky Cognitive Surplus: How Technology Makes Consumers into Collaborators  fala-nos do movimento pro-am (professional-amateur) e de como as novas tecnologias permitem hoje em dia aproveitar o enorme excedente cognitivo das pessoas, desejosas de contribuir com os seus conhecimentos (sem serem remuneradas, apenas por se sentirem bem, úteis, envolvidas) para projectos de todas as naturezas, causas sociais, etc. A Wikipedia é exemplo disto. Ian David Moss argumenta no seu blog Createquity que este mesmo modelo da Wikipedia poder ser aplicado na cultura, na programação ou na distribuição de apoios (ler aqui).

As pessoas continuam a procurar informação nos museus. Num artigo de Stephen Weil intitulado “The Museum and the Public” (integrado no livro Museums and their communities, editado por Sheila Watson), li que, passada a era dos museus “celebratórios” e assertivos, surgiu uma outra tendência, aquela que admite que o que se está a dizer não está fechado, poderá estar aberto a outras interpretações ou continuar a ser objecto de investigação. Vale a pena referir que foi um museu de história natural (o American Museum of Natural History) um dos primeiros a apresentar legendas onde se lia “o que sabemos até agora”, “mas podemos estar enganados, já nos aconteceu, a investigação continua”, etc. Talvez porque os cientistas estão mais confortáveis que outras especialidades com o testar e enganar-se e com o admitir que estavam errados.

Os especialistas não sabem tudo, mas sabem muito, muito mais do que nós nas suas áreas de especialidade. Encontram-se dentro e fora dos museus, são profissionais ou amadores, e juntos podem contribuir para o desenvolvimento do nosso conhecimento. Eu, como visitante, não deixo de procurar a sua opinião, a sua ‘versão’, não para a aceitar como se fosse a Bíblia, mas para com ela poder construir a minha opinião, o meu conhecimento. Ao mesmo tempo, indo além da informação, considerando que uma visita a um museu é também sentimentos, surpresas, emoções, partilha, experiências e conhecimentos prévios, memórias, o especialista - quando bom mediador ou facilitador (ou…) – saberá criar aquele espaço para o qual todos possam contribuir, com as suas ideias, as suas experiências, as suas interpretações, as suas reacções. Aquele espaço onde não há especialista e não especialista, correcto ou errado. Por isso, museu participativo para mim não é o museu que, em nome da democracia cultural, passa o ónus de uma das suas principais funções ao visitante. Museu participativo é o museu que dá as ferramentas à ‘Giselle’ (a todos nós) para construir e assumir sem medo os seus gostos, opiniões, sensibilidades e que cria o espaço para estes serem acolhidos e partilhados com todos.


Este texto baseia-se na minha breve intervenção no encerramento da conferência Em nome das artes ou em nome dos públicos, no passado dia 14 de Novembro.

Mais leituras
Museu2.0: a arte de ouvir o público, no jornal O Globo (27.11.2012)
Selling a product vs building a movement, por Nina Simon
When painting labels do their job, por Hrag Vartanian em Hyperallergic
Stories from the field: The Walters Art Museum, por Dallas Shelby
"GO", a group show at the Brooklyn Museum, por Martha Schwendener
The power of the non-experts, por Desi Gonzalez

Ainda neste blog
Somos para as pessoas… Será mesmo?
La crise oblige? (ii) Desafios na programação
Construindo uma família: lições do sector social
Livres de visitar um museu de arte
Museus: as novas igrejas?