Monday 9 January 2012

Fazendo votos que o caminho seja longo

Tudo começou há seis meses, num museu: o National Museum of African Art em Washington. Não, não foi um objecto. Foi um filme. Um ecrã num canto mostrava um filme sobre o escultor senegalês Ousmane Sow e as suas impressionantes e poderosas figuras. Nunca tinha ouvido falar dele. Havia várias pessoas à minha frente, não podia ver muito bem, mas fiquei completamente absorvida, ao vê-lo trabalhar, ao ouvir a sua voz e o seu lindo francês. Regressei na semana seguinte só para ver o filme. Menos pessoas desta vez, mas ainda sem espaço para me sentar. Sentei-me no chão e voltei a ver. Duas vezes.

Ousmane Sow (Foto tirada de http://www.africultures.com/)
Quando comecei a pensar no meu próximo destino, o Senegal estava em primeiro na lista. Comprei o guia e comecei a ler e a pesquisar na internet. É sempre emocionante preparar uma viagem, mas desta vez apercebi-me que estava a preparar-me para ir a um país sobre o qual não sabia absolutamente nada, além de ter uma ideia vaga sobre a sua forte tradição musical. Não sabia nada sobre a sua história política, nem sobre os seus povos, culturas e artes.

Até há pouco tempo, a África subsaariana não existia na minha cabeça (e nas minhas leituras) antes do século XV-XVI. Estava confinada ao norte árabe, que sempre me fascinou (para ser recentemente confrontada com uma afirmação no blog Africa is a Country que “’árabe’ é um termo imperial e anistórico que cria uma distinção falsa entre África do ‘Norte’ e África ‘Subsaariana’”. Ponto de vista aceite…) Pouco a pouco, mergulhei no mundo de imperadores e guerreiros e pregadores que fizeram história na região da África Ocidental antes da chegada dos europeus e cujos feitos são cantados pelos griots (guardiões da história oral).


Mais sobre o documentário de Volker Goetze aqui.

E, apesar de pensar inicialmente que esta era um mundo de homens, comecei a cruzar-me com as griottes e, entre elas, com uma senegalesa muito especial, Yandé Codou Sène, falecida em 2010, que se orgulhava da sua arte (vale a pena ver o vídeo em baixo; quando ultrapassa a sua raiva, ela efectivamente canta – ao minuto 5) e que era respeitada e estimada pelo seu povo (ver aqui).



Da história oral, passei para a palavra escrita e uma das primeiras figuras a emergir foi Léopold Sédar Senghor, primeiro Presidente eleito do Senegal, mas também um pensador e poeta (entre os seus poemas mais conhecidos, Femme noire e Poème à mon frère blanc), o primeiro africano a entrar na Academia Francesa. Alguns dos seus discursos sobre négritude (um conceito que ele firmemente impôs ao diálogo político do seu tempo, que põe ênfase nas ideias e cultura de África negra em oposição às políticas coloniais de assimilação dos franceses) podem ser ouvidos aqui. No que diz respeito a outros escritores, inicialmente estava limitada aos ‘clássicos’ apresentados no meu guia e fiquei particularmente interessada em duas senhoras, cujos livros apressei-me a comprar. Mariama Bâ, uma feminista profundamente preocupada com o destino das mulheres africanas (o seu direito à educação, o seu lugar numa sociedade patriarcal e polígama), escreveu em 1981 uma história curta chamada Une si longue lettre (Uma carta tão longa). Aminata Sow Fall, crítica da sociedade senegalesa – das suas desigualdades, do poder das elites políticas –, é a autora de quatro romances, sendo o mais conhecido La grève des bàttu (A greve dos mendigos). A minha busca levou-me depois até à geração mais nova, que estou ansiosa de ‘encontrar’ na livraria Athena em Dakar: Sokhna Benga, Fama Diagne Sène, Woré Ndiaye Kandji, para mencionar alguns nomes. E ainda, para não referir apenas mulheres, Boubacar Boris Diop, autor de Murambi, le livre des ossements, e um escritor que decidiu há uns anos voltar a escrever em wolof, uma das línguas faladas no Senegal (ler artigo aqui).


A música é o que realmente marca a cultura senegalesa. É sem dúvida o maior capítulo no meu guia. Uma vez iniciada a pesquisa, encontramos tantos nomes, tantos géneros diferentes. Mas aquilo que chamou em particular a minha atenção no meio de tanta informação foi o envolvimento do mundo da música nas eleições presidenciais, marcadas para o próximo mês. Para além do cantor mais famoso do país a nível mundial, Youssou Ndour, ser candidato, existe um movimento de jovens rappers, chamado Y´en a marre, que desafia o actual Presidente, Abdoulaye Wade, que tentou alterar a Constituição para se poder candidatar a um terceiro mandato (ler artigo no Le Monde aqui). O movimento tem página própria no Facebook.

O cinema senegalês era outra arte sobre a qual não sabia absolutamente nada. Fiquei tão contente ao encontrar o filme Moolaadé de Ousmane Sembène (o cineasta mais conhecido do Senegal; 1923-2007) disponível na íntegra no You Tube, só para descobrir que não tinha legendas numa língua que eu pudesse entender (os que entendem o bambara podem vê-lo aqui; o resto de nós pode ficar com uma ideia vendo o trailer).



E tal como Sembène lida no seu filme com a mutilação genital feminina, Joseph Gaï Ramaka (1952 - ) quebra outros tabús em Karmen Gei, lidando com a sensualidade e o amor lésbico.



Há muito poucas coisas na internet sobre a grande referência senegalesa na área da fotografia, Mama Casset (1908 – 1992), nomeadamente fotografias. Mas a minha busca levou-me também às referências mais jovens. Gostei particularmente do trabalho de Boubacar Touré Mandémory, especialmente, entre os seus álbuns disponíveis no Flickr, daquele que se entitula Émigration Clandestine.

Foto: Mama Casset
Entre os vários estilistas senegaleses que têm estado a deixar a sua marca na sua indústria a nível internacional, fiquei muito impressionada com Oumou Sy e a sua forma tão particular de misturar no seu trabalho a tradição com o design contemporâneo (vídeo de um dos seus desfiles de moda aqui).

Design: Oumou Sy
Uma outra referência, no que diz respeito aos têxteis senegaleses, é Aissa Dione, aqui numa entrevista para CulturaDakar (uma iniciativa cultural da Embaixada de Espanha em Dakar):



Foi a dança/performance que me levou de volta ao homem que inspirou esta viagem: Hommage à Ousmane Sow de Danielle Gabou (ver aqui). Avançando daqui para a dança contemporânea senegalesa, a performance de Assane Thiam Contemporary Sabar Dance Group nas ruas de Dakar deixou-me maravilhada.



São estas algumas das referências que encontrei durante a preparação da minha viagem ao Senegal. Muito em breve estarei num avião com destino a Dakar, ansiosa para descobrir tudo o que não se pode encontrar num guia: os cheiros, os sabores, o barulho, o silêncio, a disposição e a sabedoria das pessoas. O sentimento de passar a noite por baixo do céu do deserto de Lompoul.

Foto retirada de http://www.gite-africain.com/
Nota: O diário da viagem ao Senegal está publicado aqui.

2 comments:

inês said...

Sugiro que espreite os vídeos e textos (nem sempre fáceis de encontrar) desta página: http://afrique.arte.tv/#/trip/SEN/1320/

Descoberta minha recente: http://www.myspace.com/mamadouysulabanku (Senegal 'meets' Cabo Verde).

Keep Ithaka always in your mind...

Maria Vlachou said...

Que lindo, Inês. Muito obrigada. Ithaka is always on my mind... :-)