Monday 17 January 2011

A julgar pela capa

Um dos grandes prazeres na vida é estar numa livraria sem razão especial, ou seja, não com a intenção de comprar um determinado livro, mas com o desejo de olhar para títulos, nomes e capas, ler sinopses, descobrir, ser tentada, não resistir, comprar, sair com uma série deles ansiosa para começar.

Em Maio passado tinha lido um artigo no jornal Guardian sobre as diferentes capas que o mesmo livro pode ter em países diferentes (ler o artigo aqui e ver imagens de capas aqui). “Porque é que os editores não replicam capas que tenham sido um sucesso noutros países?”, questionava o autor do artigo. Há designers e editores que pensam que leitores em países diferentes não precisam de capas diferentes. Outros profissionais destas áreas acreditam que se deve começar do zero e quando trabalham na capa de um livro já publicado, até evitam olhar para as capas existentes. Em defesa da criação de capas distintas, invocam-se no artigo razões culturais (“É uma coisa cultural, tão conduzida pelo gosto como o facto de se comerem coisas diferentes ao pequeno almoço em países diferentes”), de marketing (“A ficção literária é mais fácil de vender na Europa continental do que no Reino Unido ou nos EUA, por isso os editores podem ser menos óbvios na sua tentativa de chamar a atenção dos clientes” ou “O mercado de livros no Reino Unido é mais competitivo, todas as capas nas lojas gritam: 'Compra-me!'”) ou até de orgulho.

Foto: Observer
Pensei no que determina as minhas escolhas aquando das minhas ‘expedições ao desconhecido’. Não negarei que é a combinação de título e capa que faz com que pegue no livro de um autor que não conheço. É importante que a capa seja, para o meu gosto, elegante, atraente (muitas vezes elas não têm nenhuma imagem ou desenho; apenas letras e excelente design). A seguir leio a sinopse. E a decisão está tomada.
 
Acho que nunca questionei se a capa e a sinopse transmitem a mesma ‘essência’. Aliás, acho que nunca esperei que a capa fosse uma espécie de resumo do que vou descobrir dentro, ao contrário da sinopse, que é suposto despertar a minha curiosidade. Como também não me lembro de alguma vez me ter sentido enganada por ter detestado um livro cuja capa me tivesse atraído instantaneamente. Mas lembro-me do contrário: do desgosto que tive em dois casos em que estava a ler livros muito bons mas que, na minha opinião, tinham capas pirosas. Acho que até tentava escondê-los quando os lia em locais públicos. O primeiro tinha-me sido recomendado; sobre o segundo tinha lido no jornal. Doutra forma, estou certa que nunca os teria comprado se os tivesse simplesmente visto numa bancada juntamente com outros. Uma questão de estética, de gosto. E de branding também. Porque em muitos casos o design da capa identifica uma editora, que sendo considerada de qualidade e instantaneamente identificada visualmente, pode ganhar a batalha no meio da intensa concorrência.

Um dos assuntos mais discutidos no nosso meio profissional é o do cartaz de um espectáculo. O que é e o que não é. Para que serve ou não deve servir. Lembro-me que, quando li o artigo do Guardian, reencaminhei-o para alguns colegas, porque via muitas analogias entre capas de livros e cartazes de espectáculos.

O que é o cartaz? É um instrumento de promoção, de divulgação. Tem um carácter funcional. Serve para informar (o quê, quando, onde); serve para reforçar a imagem e identidade da entidade proponente; serve para atrair público. Ao contrário do que acontece noutros países, os suplementos culturais de certos jornais portugueses estão cheios de publicidade de espectáculos. Às vezes temos quatro anúncios a partilhar a mesma página. Assim como na rua encontramos uma série de cartazes de diferentes espectáculos colados uns ao lado dos outros. A concorrência é grande. Quem vai sobressair e atrair a atenção do público para ganhar clientes? Aquele que se destacar pelo bom design, ou seja, aquele que permitirá identificar rapidamente quem propõe, o quê e onde.


O que não é um cartaz? Não é uma extensão do espectáculo. Não deverá procurar transmitir a essência do mesmo em detrimento de outras funções, prioritárias, como o informar (acho, aliás, que só as pessoas que estão muito por dentro da criação de um espectáculo conseguem identificar ou sentir esta essência num cartaz). Não deverá servir para apresentar os nomes de todos os intervenientes, enchendo a imagem com manchas de letras e ajudando a enterrar a informação que é essencial para a promoção do espectáculo; na verdade, não se produz um cartaz para memória futura. Não deverá servir para a colocação dos logos de todas, sem excepção, as entidades que apoiam a produção. Quando prevalecem estas preocupações, não poucas vezes o resultado é um mau cartaz, um cartaz não funcional.

O processo de criação e aprovação de um cartaz pode tornar-se tenso, sobretudo quando a entidade proponente não é uma 'barriga de aluguer', mas sim, uma instituição com forte identidade (e forte identidade visual). O desafio para o designer é criar uma proposta que se enquadre na linha de comunicação da instituição, mas que seja ao mesmo tempo distinta para cada projecto. O desafio para os profissionais de Comunicação é defenderem a instituição e o projecto, tornarem o processo o mais flúido possível, procurando definir desde o início, em articulação com os intervenientes no espectáculo, os objectivos que se procura alcançar através do cartaz. A avaliação da qualidade e eficiência da proposta não pode nem deve ficar reduzida a apreciações estéticas (é bonito, não é bonito) ou de justiça (ou todos os nomes ou nenhum). A verdadeira questão é: Cumpre as suas funções? Informa? Identifica? Atrai? O resto deveria ser uma descoberta. E independentemente do que se descobrir, duvido que o público culpe o cartaz por não ter contado tudo…

Sugestão de leitura
Navigating the design minefield

Nota a 20 de Janeiro
A propósito das capas dos livros, um novo artigo no Guardian de hoje, Can you judge a book by its cover?  Muito relevante, mais uma vez, para a discussão dos cartazes dos espectáculos.

No comments: