Monday 12 July 2010

Afinal, o que significa 'estratégico'?

A propósito da minha intervenção num seminário organizado pela Mapa das Ideias na próxima quinta-feira, voltei à questão dos planos estratégicos.

Parece que nos nossos dias o adjectivo ‘estratégico’ define qualquer tipo de ideia, projecto, iniciativa. O termo é usado e abusado e pergunto-me cada vez mais se os que o utilizam entendem mesmo o seu significado. Olhemos para a etimologia da palavra:

Estratégia s.f. (gr. strategia). Parte da arte militar que trata das operações e movimentos de um exército, até chegar à presença do inimigo. Fig. Arte de dirigir operações e combinações para conseguir um fim.

Portanto, nem toda e qualquer acção é estratégica. Para o ser, tem que fazer parte de um plano através do qual se pretende conseguir um fim. Na maioria dos casos, falhamos na definição desse mesmo ‘fim’. Como também falhamos na elaboração do diagnóstico que nos levará à definição do fim. Normalmente, anunciam-se medidas e acções, sem considerar o ponto onde estamos e o ponto onde queremos chegar. Voltando a olhar para o documento do IMC
Planeamento estratégico do IMC: Museus para o séc.XXI, que inicialmente comentei no meu post de 15 de Março, considero-o um exemplo típico desta forma de elaborar planos chamados ‘estratégicos’.

Para o seminário de quinta-feira, foi-me pedido fazer uma análise crítica do documento acima referido. Aproveitei para olhar novamente para dois outros documentos.

Em 2005, o Department for Culture, Media and Sports (DCMS – o equivalente britânico do Ministério da Cultura) iniciou um processo de consulta junto das entidades ligadas aos museus, intitulado Understanding the Future: Museums and 21st century life (de assinalar a ausência da palavra ‘estratégia’ e a presença da palavra ‘vida’). O DCMS identificou cinco temas principais para este processo de consulta:

1. Uso das colecções
2. Aprendizagem e investigação
3. Carreiras, formação e liderança
4. Coerência e lobbying
5. Parcerias e avaliação do valor

Com base nestes temas, foram elaboradas 13 perguntas. O Ministério apresentou um resumo das respostas recebidas num documento que pode ser lido
aqui. No seguimento deste diagnóstico:

1. Foi criado um grupo de trabalho, que envolvia vários stakeholders, que por sua vez entraram em contacto com grupos e associações específicas, de forma a alargar a consulta;
2. Promoveu-se um seminário para discutir propostas concretas;
3. Foi publicado um documento estratégico, que estabelecia objectivos a longo prazo, intitulado
Understanding the Future: Priorities for England´s Museums.

Um outro processo que ia levar à elaboração de um plano estratégico foi iniciado em 2008 por iniciativa da Câmara Municipal de Lisboa. Os agentes culturais foram chamados para opinar sobre os seguintes temas:

Conhecer
Criar
Distribuir
Lembrar
Participar
Planear
Representar

Temas mais codificados, quando comparados com a straightforwardness dos ingleses, que se traduziram em perguntas concretas que foram discutidas em debates abertos. Nesta fase para a elaboração do diagnóstico, e para além da análise das questões discutidas nos debates, foi ainda estudada a bibliografia existente, foram feitas entrevistas, analisaram-se estudos de caso, opiniões e sugestões de todos os envolvidos. Com base neste diagnóstico, foi identificada a visão e de seguida os eixos estratégicos e os objectivos, que levaram à formulação de medidas e projectos concretos. O resultado deste processo encontra-se num documento intitulado
Estratégias para a Cultura em Lisboa.

De volta ao documento apresentado em Janeiro passado pelo Ministério da Cultura, é inevitável questionar:
- Foi feito um diagnóstico e de que forma?
- Foram envolvidos os agentes ligados aos museus?
- Onde é que podemos encontrar a visão do MC/IMC para os museus do século XXI?

Para colocar a questão doutra forma, em que ponto se encontram os museus portugueses e onde querem chegar? Infelizmente, neste documento de quatro páginas não vamos encontrar as respostas. Aliás, admitamo-lo, este documento não é um plano estratégico. Apresentado pouco depois da Ministra da Cultura e da nova Direcção do IMC terem tomado posse, não é o resultado de uma consulta alargada ao sector, com o objectivo de fazer, em primeiro lugar, um diagnóstico; não apresenta nenhuma visão; demonstra alguma falta de compreensão relativamente ao que constitui um eixo estratégico, uma medida ou uma acção; não define prioridades; não mostra o caminho para a frente. Aliás, já em Abril, menos de três meses depois de ter sido apresentado, numa entrevista à revista
L +Arte, João Carlos Brigola, Director do IMC, definia-o como um documento que fazia parte de um work in progress, e que, analisadas as várias opiniões expressas sobre o mesmo, iria ser elaborada uma versão definitiva. Penso que os dois exemplos de planeamento estratégico acima referidos são suficientes para percebermos que o caminho deveria ter sido o contrário.

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